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Antagonismos – ou as coisas que me indispõem...

Para ventilar os pulmões e lavar os fígados de toxinas.

Antagonismos – ou as coisas que me indispõem...

Para ventilar os pulmões e lavar os fígados de toxinas.

21 Dez, 2024

Natal pindérico

Foto: Olhar Viana do Castelo

O Antagonismo de hoje é um “especial de Natal”. Não só porque estamos na época, mas também porque se trata de um tópico que há já alguns anos me anda a indispor – sazonal e infalivelmente! Falo das luzes e enfeites natalícios urbanos de hoje em dia.

Sei que não são um “mal geral”, e que há por esse Portugal dos pequenitos afora algumas vilas, aldeias e cidades que conseguem escapar à tremenda azeiteirice (perdoem-me o pseudo neologismo) que grassa, nesta quadra, em todas as restantes!

Odeio-as. De coração e alma. Não sei se é dos LED, frios e nada acolhedores; não sei se será das estruturas de aço cobertas de luzes psicadélicas a fingirem que são árvores; não sei se é por as cidades que as exibem ficarem a parecer todas iguais, sem qualquer traço de originalidade; não sei se é da nostalgia dos enfeites simples, de luzes calorosas, em árvores a sério, de outros idos tempos. Ou talvez seja, quem sabe, por estas pinderiquices (de novo, perdão) custarem aos municípios milhares de obscenamente largos euros!

As justificações para tais dispêndios repetem-se e renovam-se a cada ano, já soando a verdades imutáveis e lógicas: “é preciso atrair as pessoas, deslumbrá-las com luz e cor, acolhê-las num ambiente diferenciado, para que sintam vontade de abrir os cordões à bolsa e gastarem muito dinheirinho cá na terrinha!”.

Admito que sim, que seja necessário. Mas será preciso, para isso, gastar tanto dinheiro? O retorno é realmente compensatório? Mesmo quando se gastam milhares, compensa mesmo?

Essa é a pertinente questão financeira, que nos diz respeito a todos. Mas há também a estética, e sei que aqui poderei estar sozinha neste agastamento. Ainda assim, questiono: é mesmo preciso que tudo seja tão garridamente decorado, com azuis, vermelhos e verdes, mais os prateados e dourados, tudo a luzir e a piscar até à potencial epilepsia fotossensível?

E, de resto, como assim diferenciado? Se as cidades já nem se distinguem, parece que todas estas autarquias adjudicam (e directamente, sem concurso, calculo!) ao mesmo fornecedor, todos os anos!

Já para não falar das competições que se geram entre cidades – qual é mais gaiteira, qual é a que tem a música mais alta a ser debitada pelas ruas até ao enjoo, qual é a que tem mais milhares de lâmpadas LED por milímetro quadrado, qual é a que tem a árvore, desculpem, a estrutura metálica em forma de cone mais alta! A competição é tão estupidamente feroz, que até já passou a fronteira, com nuestros hermanos a bater as suas castañuelas em pirraça, , que los portugueses, em matéria de ruído visual potencialmente cegante, não lhes hão-de chegar a los tobillos, no faltaría más!

Mas estão estes municípios a competir em quê? Em quais deles foram os mais displicentes com os dinheiros públicos, delapidando o erário em adereços festivos exorbitantes sem qualquer pejo orçamental? Ou, talvez, em quais deles foram os mais profícuos em expor o seu duvidoso gosto?

Valha-nos São Nicolau da Coca-Cola! Até o menino Jesus se sente mal por estar nas modestas palhas estendido!

Na minha cidade há ainda a cereja foleira sobre o topo do bolo de azeite! Não sei se as outras cidades e vilas também terão algo semelhante, porque eu nem à minha cidade desço no Natal, quanto mais bater perna pelas outras! Mas por cá, temos uma coisa a que a autarquia apelidou de – deslumbrem-se! – “espectáculo multimédia”, claramente errando em ambos os conceitos! Primeiro, porque chamar àquilo espectáculo é um verdadeiro insulto a todos os artistas, sejam de que área forem, que criam e actuam em espectáculos de facto; e segundo, porque luzes a piscar em sincronia com músicas a tocar, ou seja, 2, repito, dois, e apenas 2 elementos, dificilmente preencherão o pretendido conceito de multi, sendo apenas pretensioso, e muito parolo.

Mas isto sou só eu a falar. Sei que há centenas (senão dezenas! Hahaha...) de pessoas que acham tudo isto lindo, mágico, maravilhoso. Que assistem religiosamente a todos estes espectáculos, que ocorrem várias vezes ao dia, ou melhor, à noite, a partir das seis da tarde. E que os aplaudem. E que vão discordar de mim, e talvez até acusarem-me de não ser boa vianense, porque no seu apertadinho conceito, um bom cidadão aplaude tudo e nunca critica nada na sua terra, bairrismo espesso e categórico acima de tudo!

Seja como for, deixo-vos o link aqui para que julguem por vocês próprios.

Não sou (já não sou...) uma pessoa por aí além nostálgica, ainda menos nesta quadra, que já adorei, e, hoje em dia, apenas tolero, por razões privadas e nada pertinentes aqui para este caso. Porém, tudo isto me faz pensar num pinheiro que existe na minha cidade (que, creiam ou não, amo profundamente, mas sem qualquer esdrúxulo bairrismo). É uma araucária-de-norfolk, com cerca de 40 metros e mais de cem anos. Desde a minha infância, o Natal começava assim que esta árvore era iluminada. Levava milhares de lâmpadas, o que lhe auferiu o título de árvore de Natal mais alta da Europa (outra competição, que era ganha sem muita concorrência!). Foi durante anos o nosso mais belo ex-libris natalício. Até a deixarem de iluminar esta quadra. Porquê? Já ouvi de tudo – porque era demasiado dispendioso, porque a árvore estaria em alegado risco, porque já não havia ninguém nem nenhuma empresa disposta a realizar esse trabalho, etc. A autarquia justificou com razões de preservação ambiental, alegando que os ramos da centenária árvore, ao cabo de décadas de decoração luminosa, haviam-se tornado demasiado frágeis. Talvez assim seja, talvez não. Não sou especialista na matéria nem sou jornalista para averiguar a veracidade dos factos.

Mas creio que seria possível, nesta idade moderna e tecnologicamente avançada em que vivemos (tão avançada que até se criam espectáculos multimédia, vejam lá!), encontrar uma ou várias alternativas menos ameaçadoras à integridade da bela árvore, fazendo-a, de alguma maneira, brilhar sem a danificar.

Quem sabe, se calhar seria também possível encontrar uma identidade decorativa mais simples, mais original, menos espaventosa, e sem comprometer tanto dinheiro do orçamento público, que tanta falta faz a tantas outras áreas carentes do município durante o resto do ano.

Como disse, eu tenho perfeita noção que há muita gente que adora toda esta explosão decorativa de luz e cor, que elogia e aplaude a autarquia, que filma e fotografa tudo para postar online (#natal, #luzes, #espírito natalício). E está no seu absoluto e pleno direito. Mas eu preferia o silêncio e a tranquilidade visual de uma luzes mornas, de brilho discreto, como se as estrelas tivessem baixado do céu à Terra, para nos iluminarem numa época que, acima de tudo, deveria significar paz. Não há paz nestas luzes citadinas, abruptas e ao despique.

Sinto que Natal não é isto. Isto é só uma ideia transmutada e muito pindérica do Natal.