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Antagonismos – ou as coisas que me indispõem...

Para ventilar os pulmões e lavar os fígados de toxinas.

Antagonismos – ou as coisas que me indispõem...

Para ventilar os pulmões e lavar os fígados de toxinas.

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Se há uma coisa que nós, os recorrentemente deprimidos e soturnos introvertidos deste mundo, sabemos fazer bem é fazer-nos mal. Ninguém consegue ser mais exímio do que nós na nobre e abjecta arte da auto-depreciação. Se houvesse um prémio sobre isso para a Humanidade, nós ganhávamos na boa.

Não há observação detractora que alguém nos possa fazer ou crítica, mais ou menos arrasadora, que nos possam dirigir que não tenham já antes passado pelo nosso coador de merda mental - que, para quem não sabe, é um coador especial, com as malhas bem largas, para que todas as apreciações e julgamentos susceptíveis de massacrar e cilindrar a nossa já exígua auto-estima passem bem à vontade.

Temos plena consciência que não é preciso muito para escorregarmos um pouco mais no poço de caca existencial de onde estamos, continuamente, a tentar sair. Mas caramba, também era escusado virem pôr-nos um pé nas nossas cabeças e empurrar-nos mais para baixo! Não chegava ficar só de longe a observar, sem fazer nada? A gente dá conta de se afogar sozinha, eventualmente.

Contudo, percebo que há mais que fazer do que ficar à espera, ou mais simplesmente, do que ter de levar todos os dias com a mesma visão pouco simpática e muito, muito aborrecida, de alguém a afundar-se lentamente. Compreendo a tentação de concluir o assunto, afinal há coisas mais prementes e importantes a tratar. “Bem, vamos lá a despachar, que eu ainda tenho de responder a 100 e-mails, salvar três espécies de fauna e quatro de flora da extinção, preparar sete reuniões com quatro ministros e dois presidentes estrangeiros, descongelar o frango para o jantar, e estender uma máquina de roupa” – ou algo do género…

Existe também quem julgue estar a puxar generosa e solicitamente com a mão quando, de facto, está a empurrar paternalista e disfuncionalmente com o pé. É o chamado tough love, que tem mais de tough do que de love, e mais de passivo-agressivo do que de outra coisa qualquer verdadeiramente auxiliadora. Não passam de boas intenções, e todos sabemos, desde crianças, que local pouco aprazível é que está cheio delas até ao tecto...

No meio de tudo isto, o mais curioso – e pateticamente mais triste também – é que o esforço despendido a empurrar com o pé para baixo seria, nos mais dos casos, praticamente o mesmo que o de puxar com a mão para cima.

Mas estou a ser injusta e pouco precisa. Embora com um potencial pequenino desgaste na paciência, na verdade o menor esforço é mesmo o de não fazer nada: nem pé para baixo, nem mão para cima – apenas assobiar para o lado.


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